Fotos: Henrique Ramos, Lewiski e Lino
O município paranaense de Lapa, com cerca de 45 mil habitantes, teve como base econômica a exploração de erva-mate e a atividade tropeira. Com a economia mais diversificada atualmente, traz consigo, devido à trajetória histórica, o turismo, que explora a beleza existente em seu Patrimônio Histórico e Cultural.
Em 7 de março de 1872, a Vila Nova do Príncipe, desmembrada da Vila Rio Negro, foi elevada à categoria de município com a denominação de Lapa. Os lapeanos estão a uma distância de 62 km da capital paranaense, na Mesorregião Metropolitana de Curitiba. Com uma área de 2.097,7 km², o município possui a quarta maior área territorial do Paraná, o que lhe confere grande potencial agropastoril. É o maior produtor de fruta de caroço do estado.
Um dos marcos históricos do município aconteceu durante a Revolução Federalista de 1894, quando a Lapa tornou-se arena de um sangrento confronto entre as tropas republicanas (os Pica-paus), e os Maragatos, contrários à república. A Lapa resistiu bravamente até que os lapeanos comandados pelo General Ernesto Gomes Carneiro caíram exangues em combate. Resistiram ao cerco por 26 dias, mas sucumbiram ante ao maior número do exército republicano. O episódio ficou conhecido como o “Cerco da Lapa”.
A batalha deu ao Marechal Floriano Peixoto, chefe da república, tempo suficiente para reunir forças e deter as tropas federalistas. Ao todo foram 639 homens entre forças regulares e civis voluntários, lutando contra as forças revolucionárias formadas por três mil combatentes. Os restos mortais do General Carneiro, assim como de muitos outros que tombaram durante a resistência, estão sepultados no Panteon dos Heroes, vigiados permanentemente por uma guarda de honra do exército brasileiro.
Esta foi a inspiração para constituir um roteiro sitiando o município, explorando suas belezas naturais, a cultura e a história, criando uma rota cicloturística em homenagem àqueles que lutaram para defender suas convicções, suas casas e famílias.
Reconhecimento do trajeto
Enfrentar o desconhecido sempre será uma aventura, e uma volta ao redor de um município de grandes proporções resultaria inevitavelmente em um grande desafio, não só pela quilometragem, mas também com relação a pontos de apoio, logística e tudo o que seria necessário para planejar e executar o percurso.
Thiago Ramos, lapeano e companheiro dos pedais, forneceu-me um mapa com todas as comunidades, principais vias de acesso e os limites. Isso muito facilitou meu planejamento, pois pude limitar a área que trabalharia na montagem do percurso. Tracei os limites com o MapSource, da Garmin, criei uma rota margeando o município e abri no Google Earth. Com as imagens de satélite, comecei a modificar a rota, tornando-a mais reta e utilizando estradas pequenas, sempre buscando os limites do município. Os arquivos .kmz foram convertidos para .gpx, inseridos no GPS e parti para os reconhecimentos.
Aproveitei os pedais de fins de semana para “viajar” pelo interior da Lapa, conversar com moradores, descobrir “túneis” verdes, catar pinhão, arejar a mente e deixar o corpo em forma. “Preciso dividir isso com outros”, foi o que pensei.
Feito o levantamento do percurso, locais de almoço, pernoite, tempo necessário, comecei a organizar a logística. Foi quando várias pessoas começaram a “pedalar” comigo. Na realidade, não foram junto no passeio, mas fizeram uma enorme força nos clips dos pedais.
Levei a ideia ao Sérgio Vinicius de Souza Júnior, Secretário do Departamento de Turismo da Secretaria de Desenvolvimento do município, que atentamente me ouviu e se propôs a apoiar. O primeiro pernoite seria na localidade de Rio da Várzea; Josinei Menon deixou seus afazeres quando cheguei em sua residência e prontamente se dispôs a ajudar. Também não posso deixar de mencionar a dedicação do vereador Vilmar Flávio Purga. Poucas são as pessoas com o espírito solidário e prestativo. É muito bom contar com pessoas assim.
Primeiro dia
Partimos do centro histórico em direção ao Monumento aos Tropeiros, e depois pela BR-476 até Mariental. Após a divisa da Lapa com Contenda, deixamos a BR-476 e as estradas de chão foram nossas companheiras nos sorrisos, nos olhos arregalados nas descidas, no suor que cai do rosto na manhã fria de maio.
A mata formava lindos túneis verdes, estradas encobertas pela folhagem seca, o canto dos pássaros e a animação do ciclistas foram o combustível a nos movimentar neste primeiro trecho. Era ainda manhã quando chegamos em Quitandinha – PR após 55 km.
O sobe e desce das estradas por entre sombras amenizaram o calor e tornaram o passeio agradável e divertido. O rio da Várzea sempre à nossa esquerda, pescadores teimosos brigando com “borrachudos” e a paisagem se transformando a todo instante. Plantações diversas, batata, milho, trigo, feijão, soja, tomate, maçã, foi um pouco do que vimos.
Comunidade dos Prestes, Lagoa Gorda, Campo de Telha já na estrada do Piripau foi onde o grupo se dividiu. Estávamos a 10 km da cidade, mas faltando 20 km para finalizar o percurso. Alguns optaram por fazer somente o primeiro dia, pois no sábado teriam que trabalhar.
Seguimos então para Rio dos Patos e chegamos na ponte de ferro sobre a PR-427, limite da Lapa – PR com Campo do Tenente – PR. Chegando na comunidade, pedalamos por um quilômetro ao lado dos trilhos do trem até a estação e nos dirigimos após para a Associação da Prefeitura no Rio da Várzea, onde pernoitamos.
Segundo dia
Seguimos para São Bento I e II pelas belas e conservadas estradas que nos levaram rapidamente para Pinheiros e Barra dos Mellos. Fizemos uma pausa em Butiá, aos 28 km, e seguimos para Mato Preto Machado, Amaro Mato Preto e Água Amarela de Cima, já no município de Antonio Olinto, depois de 56 km rodados.
O velocímetro marcava 72 km quando chegamos na BR-476, logo após uma íngreme e desgastante subida. Quando a bike não dá conta, as pernas em passos lentos nos levam além. O Restaurante e Pousada Água Azul, km 248 da BR-476, estava com o buffet servido e nem precisou convite.
Uma hora depois, já recuperados da “peia” da manhã, pegamos “o caminho da roça” que nos levou para uma alucinante descida e uma linda estrada em meio à mata nativa. A vontade era permanecer pedalando ali todo o dia, mas a estrada do Imbuial nos levaria até Canoeiro, Mato Queimado e Palmital de Baixo. Um desvio para 2º Passa Dois e a mochila já pesava bem mais com a apanha de pinhão pelo caminho.
Acampamos na localidade Floresta São João. Seu Juarez e Dona Sueli já nos aguardavam com todo material de camping. Entre conversas e risadas o sol foi se despedindo em um belíssimo espetáculo. O jantar em família, com um delicioso risoto e chuleta na grelha, foi apenas aperitivo para os contos e causos. O pinhão catado no percurso, assado na chapa, agora fazia parte do cardápio. A impressão que tínhamos é que éramos conhecidos de longa data. Muito mais que um prato de comida e um local para dormir, a forma como fomos acolhidos nos deu energia de sobra para continuar no dia seguinte.
Terceiro dia
Quando nos chamaram para o café, o sol começou a surgir na linha do horizonte onde a silhueta dos pinheiros contrastava com o vermelho amarelado do céu. O cartão de memória ficou pequeno para registrar tamanho espetáculo da natureza. Com uma sensação de “temos que voltar aqui”, começamos os últimos 125 km do roteiro. No caminho para Paiquere passamos por um belíssimo túnel de pinheiros com sua calma chuva de pinhões, seguido de uma descida alucinante ao tempo em que a neblina tentava encobrir a paisagem.
Subidas e descidas se alternavam por meio de lavouras e reflorestamento de pinus. Lagoa
Dourada, Pedra Lisa, Vila Machado e entramos na reta para a balsa de Porto Amazonas. Já era de nosso conhecimento que a balsa havia afundado no começo do ano, mas ao chegarmos na barranca, contamos com a ajuda de pescadores para cruzar o rio Iguaçu para o outro lado.
Com 45 km no dia, chegamos em Porto Amazonas. Depois seguimos pela PR-427 por 10 km. Novamente a estrada de terra por entre fazendas e lavouras seria nossa companheira. A estrada terminou, cruzamos uma pequena faixa de mata e encontramos os trilhos do trem que nos levou até Engenheiro Bley. O almoço foi rápido e o descanso reduzido. A vontade de chegar ao final do percurso era maior que a necessidade de descansar.
Passamos pela cachoeira de Engenheiro Bley (uma das muitas da Lapa), seguindo depois pelo estradão até Balsa Nova. Deixamos de lado a Estrada da Maçã e seguimos sentido Contenda.
As pernas já não eram as mesmas e a estrada parecia querer nos engolir. Depois de mais uma pausa rápida para recompor as energias, dobramos à direita, subindo em uma estradinha que nos levou até a BR-476: faltavam somente 20 km.
Finalizamos os 340 km retornando ao Monumento aos Tropeiros. Foram três dias, centenas de fotos, poeira, frio, calor, suor, muitas alegrias e a sensação de dever cumprido foi mais forte que o cansaço que insistia em nos parar. A alegria por concluir tudo o que foi cuidadosamente planejado nos deu a certeza de que valeu o esforço!
Mas esta estrada é longa, ainda há muito para fazer para que outros também possam desfrutar do mesmo caminho. Há muitas informações que precisam ser lapidadas antes de serem repassadas. Lapa receberá cicloturistas vindos de todos os cantos, em todas as épocas do ano, e nós estaremos aqui para dar as boas-vindas e servir.
Fonte: Revista Bicicleta
Texto: Dilamar Lewiski
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